Indicadores fundamentalistas e rebalanceamento de ativos no gerenciamento de riscos


Você confia plenamente no estudo dos indicadores fundamentalistas de seus ativos de renda variável?
Você acredita que essa convicção pode desconsiderar cisnes negros e muito menos, prever o futuro?
Veja por que o rebalanceamento de ativos é melhor para você gerenciar os riscos da análise fundamentalista.


Semana passada li um excelente texto no blog “Além da Poupança” sobre a importância de avaliarmos a margem líquida, dentro dos principais indicadores de uma empresa. Apesar de concordar com a relevância do indicador, deixei lá um breve comentário explicando por que hoje vejo as métricas empresariais com outros olhos, principalmente se formos analisá-las isoladamente.

Mesmo considerando o estudo de um conjunto de indicadores mais completo, vejo atualmente o rebalanceamento de ativos e o consequente gerenciamento de risco muito mais significativos do que a análise dos indicadores fundamentalistas para o sucesso a longo prazo de sua carteira de investimentos. Nesse texto, exponho minhas razões para isso.

O que é melhor? Rebalancear ativos ou acompanhar indicadores fundamentalistas para gerenciar o risco de sua carteira de investimentos?

A importância da análise dos indicadores fundamentalistas e ressalvas

Antes de tudo, esclareço que não nego a relevância dos resultados contábeis das empresas. Eles são importantíssimos para construirmos um primeiro filtro entre empresas “boas” e empresas “ruins”.

Esse filtro, entretanto, não é concebido somente através dos números, mas também pela governança empresarial, composição acionária, mercado de atuação, bem como as tendências de mercado, além de outros fatores menores. E esses fatores nem sempre são expressos na análise dos indicadores fundamentalistas.

Existem ainda, métricas que não estão envolvidas diretamente nos indicadores mais comuns, dentre eles, o P/L, P/VPA, ROE ou DY, usados massivamente na precificação de ações e alimentados por dados como receita gerada, lucro, patrimônio líquido ou dividendos pagos.

Entre as métricas esquecidas pelos indicadores mais usados, temos, por exemplo, as margens líquidas e o importantíssimo fluxo de caixa livre, que não fazem parte de nenhum indicador fundamentalista relevante. Existem outros regularmente usados por gestores mais profissionais, mas ainda distantes do grande público, que envolvem variáveis como o EBITDA.

Essa consideração, plenamente contábil, já expõe uma lacuna a ser preenchida na ideia de usar somente os indicadores fundamentalistas mais comuns para a compra e venda de ações. A avaliação deve ser um pouco mais complexa.

Além dos números dos indicadores: a governança e a concorrência

Além dos números, precisamos atentar que uma empresa pode possuir uma excelente situação financeira e contábil, mas estar inserida em uma conjuntura de má governança ou com uma composição acionária desfavorável para o acionista minoritário, sujeitas a possíveis reflexos negativos no preço de suas ações. Os casos ainda recentes da Multiplus, Smiles e Oi foram vítimas dessa situação. Isso também não será expresso nos indicadores fundamentalistas, ao menos até o momento de más práticas virem à tona.

Ainda, a empresa pode possuir excelentes números, mas estar situada em um mercado de fácil penetração de concorrentes, fazendo com que seus resultados se tornem menos atrativos a cada publicação trimestral de balanços, como a Cielo. Mesmo sendo admiradores das blue-chips com indicadores patrimoniais e contábeis idolatrados, como ITUB4, como poderemos ter certeza da manutenção de seus resultados no futuro com as disrupturas provocadas pelos bancos e plataformas digitais?

Tenho certeza de que os investidores são capazes de enumerar diversas ações cuja análise dos indicadores fundamentalistas é “excelente”, mas que, no momento, não está sendo revertida em aumentos no preço da ação.

A avaliação fica ainda mais complicada se pensarmos que o inverso – variações positivas no preço de empresas com métricas horríveis, também pode ser verdadeiro em momentos especulativos, como recentes fatos da Forjas Taurus, agora denominada, aproveitando o conveniente burburinho, de “Taurus Armas” tempos atrás…

Logo, a definição de uma “boa” empresa passa, certamente, pelos números de seus balanços e indicadores, mas também por outras variáveis que devemos atribuir pesos equivalentes na avaliação. É semelhante com a ideia das pessoas em relacionar o PIB diretamente com o comportamento do mercado acionário. Talvez seja da natureza humana possuir o desejo de usar uma solução simples para entender relações complexas.

Ainda, uma análise nunca deve ser feita apenas no momento “presente”, mas sim através de um processo histórico. Não há nenhum sentido, por exemplo, em analisar indicadores fundamentalista como o P/L em um trimestre e decidir a compra ou venda de um papel. Os efeitos não recorrentes nos obrigam sempre a avaliar as empresas como um filme, e não como uma foto, da mesma forma que precisamos entender nossa independência financeira como um caminho, e não um destino.

Os indicadores fundamentalistas e as informações privilegiadas

Feita a ressalva da importância dos números e da análise dos principais indicadores de uma empresa, retomo a motivação que gerou esse artigo. Tendo uma lista de boas empresas, é saudável que iniciemos por elas a montagem de nossa carteira de investimentos. Nesse processo de criação do portfólio, criamos inconscientemente um “ranking”, onde compramos as empresas que mais nos atraem e deixamos para uma melhor oportunidade de compra, as demais.

A partir desse momento temos um portfólio para cuidar, e não mais uma ou duas ações. Nesse contexto, com uma gama maior de ativos, acredito que o gerenciamento das ações no pilar da carteira de renda variável é muito mais importante para seu futuro financeiro do que simplesmente confiar nos números de futuras análises dos indicadores fundamentalistas.

Eles continuarão importantes para manter as melhores empresas no seu “radar”, mas a prática do rebalanceamento dos ativos fará a diferença na rentabilidade da carteira a longo prazo.

Existem dezenas de variáveis que podem modificar o valor futuro das empresas e que, diferentemente das que citei anteriormente, como a governança e composição acionária, não são investigados devidamente por meios permitidos pelo mercado. E isso tem a ver com algo que poucos dão a importância devida: as informações privilegiadas.

Exemplos recentes da desconexão dos indicadores fundamentalistas e preço de ações

Em todos esses anos de investidor, aprendi a ser humilde em aceitar que não sou um insider nas empresas, isso é, estou muito longe de estar por dentro (por dentro meeeesmo, deixemos claro) de sua administração.

Como entender o que se passa na cabeça dos controladores? O que será que o Alexandre pensa em fazer com aquele enorme caixa da Grendene, por exemplo? Vai continuar rendendo merreca de renda fixa por quanto tempo? Vai investir? Onde? Será uma boa escolha?

Ou então, o que os controladores da Ecorodovias ou Banco BTGPactual ainda poderiam estar escondendo em relação às falcatruas com o governo? Ambas as empresas possuem números de balanços excelentes, mas o que vem depois?

Por outro lado, Light e Cemig ainda possuem números contábeis preocupantes, mas será que, com possíveis gatilhos de melhor governança e privatizações no futuro pode ser uma vantagem mantê-las na carteira? Quem as têm hoje, será uma boa ideia vendê-las totalmente em virtude da análise de seus indicadores contábeis?

Somente quem está no alto escalão de empresas como Banco do Brasil e Brasil Seguridade sabem as tendências para o contrato de ambas. Será que ocorrerá com BBSE3 a mesma coisa do que ocorreu com WISZ3, apesar dos excelentes indicadores de ambas?

Será que pode ocorrer com o Banco Inter o que ocorreu com a Cielo, com a chegada de novos e poderosos concorrentes? Aquela ideia de “depois” eu vendo a ação pode ser perigosa, pois, quando será o topo? Alguém arrisca?

Enfim, considerar que não temos conhecimento amplo de uma situação, pode ser decisivo para o sucesso de nossa carteira de investimentos a longo prazo. Não confiar cegamente na análise de indicadores fundamentalistas, além de refletir uma postura humilde de um “outsider”, urge fazermos um bom gerenciamento do risco, o que sugiro adiante.

Indicadores fundamentalistas, governança e rebalanceamentos de portfólio: uma boa pedida!

Chegando agora ao final da ideia: precisamos combinar os principais indicadores fundamentalistas de uma empresa com sua governança e o gerenciamento de nossa carteira de investimentos.

Esse “gerenciamento”, entretanto, não significa trocar posições a cada divulgação de balanços trimestrais, buscando a compra de empresas com melhores indicadores. O que prego é um gerenciamento comedido, baseado na nossa incapacidade de prever o futuro e em nossa limitação para uma análise profunda da empresa: o rebalanceamento da alocação de ativos.

Um dos maiores riscos que possuímos na compra de ativos de renda variável é acreditar 100% em nossas análises. Lembre-se que sempre há alguém na ponta vendedora em cada ordem de compra que você insere no home-broker. Será que sua avaliação é melhor que a do vendedor? Esse risco, assim com o perigo de não possuir uma carteira diversificada, foi comentado no artigo “Investindo com segurança: quais os riscos que você pode (e deve) evitar“.

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Com base nisso, o risco aumenta se não fizermos um bom gerenciamento de nossos ativos, o que, nesse caso específico, pode ser definido como um gerenciamento de risco essencial (entenda aqui “risco” como uma exposição excessiva em determinado ativo).

Ok, você estudou, elaborou hipóteses, avaliou mercado e concorrentes e definiu comprar o papel a um preço estipulado, que outra pessoa determinou para vendê-lo. Você apostaria todas suas fichas nessas análises? E todos os cisnes negros que poderão aparecer no futuro?

Gerenciar o risco é também gerenciar expectativas. É aceitar que podemos falhar em nossas avaliações. É ter a humildade que podemos não estar certos em 100% dos casos. Para isso, é necessário que estabeleçamos percentuais máximos de alocação em cada ativo de forma que o risco de nossa carteira não seja vinculado somente à análise dos indicadores fundamentalistas da empresa.

Imagine a melhor empresa que possua em seu portfólio. Você acredita que, mesmo avaliando-a trimestralmente e considerando-a excelente, vale a pena ver seu percentual de alocação subindo indefinidamente, seja por valorização do papel ou por novos aportes, dentro de sua carteira de investimentos?

Eu desencorajo essa atitude de concentração, por mais bem avaliado que seja o papel, por razões já descritas. Nesses casos, a melhor solução é parar de aportar ou vender uma parcela, de forma que o percentual de alocação volte a patamares confortáveis. Veja, como exemplo, a atualização dos rebalanceamentos de minha carteira de investimentos neste texto.

Uma crítica comum a essa análise é de “punir” boas ações e, talvez, comprar ativos piores. Mas com base em todo o argumento que desenvolvi até agora, será que podemos considerar tal ação “boa”, com os melhores indicadores fundamentalistas, como uma ação “imune” às crises?

Se algumas opiniões contrárias chamam esse processo de “punição”, eu chamo de “gerenciamento de risco”. No processo de rebalanceamento, estamos exercitando nossa humildade com nossa incapacidade de prever o futuro. A falta de capacidade de cravar verdades absolutas rompe a tentação da “aposta”.

E, de quebra, nos obrigamos a vender empresas “boas” com alta valorização e liberamos recursos para comprar outras empresas “boas” menos valorizadas. Quer melhor fórmula para ter sucesso em seu processo de independência financeira? Esses são os fundamentos do método que uso há 15 anos para meu portfólio. Se desejar conhecê-lo mais profundamente, acesse “Alocação de Ativos: um guia para iniciantes“.

E vocês, leitores, acreditam piamente nos indicadores fundamentalistas? Ou preferem garantir a rentabilidade nos rebalanceamentos?

Explore mais o blog pelo menu no topo superior! E para me conhecer mais, você ainda pode…
assistir uma entrevista de vídeo no YouTube
ler sobre um resumo de minha história
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participar de um papo de boteco
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… ou adquirir um livro que reúne tudo que aprendi nos 20 anos da jornada à independência financeira.

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Danilo
Danilo
3 anos atrás

Excelente post André.
Meus parabéns.

Obrigado.
Abraço!

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