A rebelião das massas, de José Ortega y Gasset, e o homem-massa


Ortega y Gasset, em seu livro “A rebelião das massas”, aponta uma das entidades que suportou o crescimento do coletivismo e seus regimes ditatoriais no século passado: o “homem-massa”.

Essa manifestação, cuja segurança provém em reproduzir em coro pensamentos irrefletidos e em receber reconfortos guarnecidos através da isenção de sua própria responsabilidade, ainda é muito comum atualmente.


Uma das melhores leituras de minha vida ocorreu em uma viagem de rede pelas águas da Amazônia. O responsável pela oportunidade foi a tranquilidade da viagem de barco e o autor José Ortega y Gasset, através de seu excelente “A Rebelião das Massas”.

É impressionante como um livro escrito na década de 20 do século passado contém uma temática tão atual. Equipara-se aos clássicos de RandHuxley e Orwell, principalmente por prever a origem dos movimentos totalitários e coletivistas que emergiriam desde então.

Ortega Y Gasset: A Rebelião das Massas e o homem-massa

O livro é segmentado em duas divisões principais. Temos inicialmente contato a um rico prólogo aos franceses e, ao final, um epílogo aos ingleses (lamentando como a desagregação da Europa poderia ter origem em seu pacifismo), além de quatro ensaios independentes (sobre o pacifismo, sobre poder do dinheiro e o consumismo, sobre a juventude e sobre o equilíbrio de poder dos gêneros no mundo).

A primeira parte do livro, mais densa, leva o nome de seu título principal – “A Rebelião das Massas” e será o objeto de comentário nesse texto.

A segunda parte, intitulada de “Quem manda no mundo?”, traz todos os conceitos anteriores e aplica-os de uma forma abrangente na sociedade, demonstrando como o vigor da opinião pública (consciente ou inconsciente) tornou-se a força motriz para a permanência de grupos no poder.

O livro possui antevisões fantásticas, como a união futura da Europa em uma década onde o continente tinha encerrado uma grande guerra e caminhava a um estado instável em virtude da ascensão do fascismo e do comunismo.

Lembro que o livro foi escrito na década de 20, antes, portanto, da apoteose do comunismo e nazismo e, consequentemente, à Segunda Guerra Mundial. Mas é na definição e na representação política do homem-massa que Gasset apresenta suas principais ideias e sustenta seus argumentos. Esse será o foco que trarei aos leitores.

A manipulação e rebelião das massas

Gasset sustenta que a manipulação das massas é essencial ao poder, e caracteriza o típico estado mental das pessoas, necessário para o exercício de tal domínio. Vivendo na década de ascensão do fascismo e do comunismo, ele teve o privilégio de acompanhar esses movimentos de massa e perceber como a constituição de um ser coletivo, supostamente livre, seria um fantoche essencial para as ambições políticas de futuros ditadores.

O autor defende conceitos liberais, que foram hegemônicos na segunda metade do século XIX na Europa, e foram paulatinamente deixados de lado no início do século XX. Por viver esse período histórico e perceber mudanças no zeitgeist europeu, Gasset percebeu que a defesa da liberdade não beneficia somente interesses individuais, mas sim toda a sociedade.

Por outro lado, o pensamento de massa, coletivo, é essencial para o poder imposto pelos regimes de vieses completamente opostos ao liberalismo que Stálin e Mussolini (e futuramente Hitler) instituíam no continente. É justamente por possuir essa natureza liberal e condenar o pensamento coletivista que o livro não é conhecido pela maioria dos profissionais de humanas, formados majoritariamente em universidades com ementas de caráter marxista, gramscista e coletivista. O livro possui conceitos, explanados em trechos primorosos, que derrubam tais teses dominantes no homem-massa contemporâneo.

Seu texto antevê a revolução que ocorre há décadas no Brasil, onde nossas universidades, principalmente as públicas, preocupam-se mais em formar ativistas do que profissionais, quando diz que “A política despoja o homem de solidão e intimidade, e, por isso é a predicação do politicismo integral uma das técnicas que se usam para socializá-lo“.  Ou seja, ele anteviu a proposta e aplicação da Revolução Cultural de Gramsci com décadas de antecedência!

Quem é o homem-massa?

Gasset refere-se ao “homem-massa” como o indivíduo que intelectualmente, repete em si mesmo uma receita genérica, sentindo-se à vontade em ser igual aos outros, sem valorizar suas diferenças no pensar. Evitando trazer para si tais responsabilidades, vivem sem esforço intelectual, como boias à deriva. Já dizia a música que cantamos em outras épocas, sem refletir muito em sua letra: “Vou deixar a vida me levar…”.

O autor deixa claro que não se trata de uma divisão de classes sociais, mas sim de classe de homens, ou seja, em todas os estratos sociais coexistem a massa e a minoria autêntica. Ele perpassa as falaciosas ideias marxistas da luta de classes, uma vez que considera o ser humano como indivíduo único, e não parte de uma aberração coletiva. E salienta que a massa se atribui a si, a verdade, atropelando tudo que é diferente, individual e qualificado, de forma a sentir-se bem com sua igualdade e sua inconsciente ignorância.

Traduzindo em termos atuais e em palavras que já estiveram em textos sobre Rousseau, é o famoso paladino do bem que carrega internamente a primazia da virtude designando a todos que pensam de forma diferente como “reacionários” e “fascistas” (ou “coxinhas”, para usar um termo da moda).

Em uma das mais belas passagens do livro, Gasset diz que a vida é regida por dois elementos básicos: circunstâncias – que é o mundo em si que nos é dado, e as decisões. O homem-massa permite que as circunstâncias decidam seu destino, mas elas, na verdade, são o dilema que implicam uma decisão de cada indivíduo, baseada em nossa ética. “Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser nesse mundo“.

Ser nobre, portanto, é definir-se pela exigência e pelas obrigações, incorporando um direito privado para atingir um privilégio baseado na conquista. Diferentemente dos direitos coletivos que não exigem esforços e que, para usufruí-los, basta estar respirando e submeter-se a uma vontade alheia.

A negação do Ocidente, do progresso e do liberalismo

O autor discorre que todo o progresso que ocorreu no século XIX é visto como natural pelas massas, transformando-se em um direito inalienável. As massas não reconhecem toda a organização e conhecimento que foram necessários para o estado de bem-estar que hoje elas desfrutam. E que tais benefícios provêm de obras de indivíduos e não de um estado de histeria coletivo. Trazendo 100 anos à frente, vemos que até hoje o mesmo comportamento permanece.

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A civilização ocidental, que mesmo com suas falhas, mostrou ser o melhor modelo de civilização* que já existiu, é constantemente atacada pelo homem-massa. A Europa, por exemplo, é constantemente acusada de violação de direitos de imigrantes, responsabilizada inclusive pela violência praticadas por alguns bem como pela morte daqueles que decidem atravessar o Mediterrâneo de forma ilegal. É uma completa inversão de valores e de intolerância, que Gasset já expôs há 100 anos.

Sobre a tolerância, vivendo em uma era ameaçadora e pós-liberal na Europa, não economiza linhas para dizer que:

O liberalismo é o princípio de direito político segundo o qual o poder público, não obstante ser onipotente, limita-se a si mesmo e procura, ainda à sua custa, deixar espaço no Estado que ele impera para que possam viver os que nem pensam nem sentem como ele, quer dizer, como os mais fortes, como a maioria.

O liberalismo — convém hoje recordar isto — é a suprema generosidade: é o direito que a maioria outorga à minoria e é, portanto, o mais nobre grito que soou no planeta. Proclama a decisão de conviver com o inimigo; mais ainda, com o inimigo débil. Era inverossímil que a espécie humana houvesse chegado a uma coisa tão bonita, tão paradoxal, tão elegante, tão acrobática, tão antinatural. Por isso, não deve surpreender que tão rapidamente pareça essa mesma espécie decidida a abandoná-la.

E depois de 100 anos de história, que mostraram (para quem realmente, quiser ver) a veracidade dessas palavras, a nossa “esquerda”, ou melhor, nossos coletivistas e autodenominados “progressistas”, ainda pregam sua ideologia fracassada. Ideologia que enaltece o coletivismo, a emoção do socialismo e seus desastres econômicos, como o que ocorre em Cuba, Venezuela e Coreia do Norte (que amargam um estado recessivo na economia depois de anos de governos “populares”).

Que estejamos cada vez mais distantes de caminhar por essas estradas e nos juntemos a nações modernas e tolerantes como EUA, Israel e outros países europeus, que não compactua com ditadores de qualquer espécie. Que, a cada vez mais, as pessoas percebam qual o lado correto da história e aprendam com o passado.

*Evite pensar em etnocentrismo: leia um texto sobre “Inteligência Cultural!

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Anônimo
Anônimo
1 ano atrás

Ridículo o que a pessoa escreveu que as universidades públicas não formam profissionais kkkkk, presta atenção sou da faculdade de história e esse livro foi passado pelo meu professor sem tomar partido com um viés capitalista ou socialista etc,

Ana Paula
Ana Paula
3 anos atrás

Adorei seu artigo, estou quase no fim deste livro… Triste ver que estamos vivendo tempos difíceis, de degradação cultural e intelectual, resultado do gramsciamo… Que possamos abrir a mente de mais e mais pessoas para que deixem de ser “homem massa”. Abraço.

marcos celio carvalho defina
marcos celio carvalho defina
3 anos atrás

Show e atualissimo o tema desse livro. Não o conhecia. Embora concorde em genero numero e grau com a tese do autor observo que em nosso mundo atual o liberalismo cada vez mais está cedendo espaço ao socialismo engajado e nutrido pela midia marrom e pelos jovens universitários mimimi e agora recentemente pela pandemia com seus multiplos e infinitos resgates financeiros. Até o próprio EUA não é ,mais um país capitalista e liberal no conceito mais profundo dessas palavras. Vamos aguardar os próximos capitulos…

Anônimo
Anônimo
Reply to  marcos celio carvalho defina
1 ano atrás

Kkkkkkk o EUA deixando de ser capitalista? Falou o país que está embargando cuba e tudo mais kkkk, invadiu vários países para mamar dinheiro, roubando petróleo de países do oriente médio etc, deixa de ser massa irmão kkk

André Luis
10 anos atrás

Cara, coitada da ilha! Já não basta o boicote milenar? rsrs
Acho que a sugestão do vídeo para alguns "marxistas de rede social" (4:40) seria suficiente…

O inicio do vídeo eu não curto, mas filtrando um pouco a loucura e palhaçada, eu concordo com quase tudo.
Não quero esculhambar seu post, é só pra deixar o assunto mais light, pois dá pra sentir daqui sua indignação! rsrs
Abração
http://www.youtube.com/watch?v=X7LtIRj9v68&feature=c4-overview&list=UUm2CE2YfpmobBmF8ARLPzAw

André Rezende Azevedo
10 anos atrás

Os mano pira! Valeu pela contribuição, meu amigo! Abraço!

Lemming®
Lemming®
7 anos atrás

Ótimo texto e análise como sempre!
Comprei o livro e recomendo a todos que tenham interesse em saber porque estamos onde estamos e somos o que somos (sociedade).
Fica extremamente claro após ler o livro o porque de termos esse "fracasso" de sociedade, os desmandos e a aceitação passiva de tudo o que acontece no mundo…

Agradecido,

Renan Andrade
Renan Andrade
8 anos atrás

Sensacional meu amigo

André Rezende Azevedo
8 anos atrás

Obrigado Renan.

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